O Primeiro Sermão - Sete sermões aos mortos
Excerto do livro "A Gnose de Jung e os Setes
Sermões aos Mortos", Stephan A. Hoeller, Editora Cultrix:
O Primeiro Sermão
"Os mortos retornaram de
Jerusalém, onde não encontraram o que buscavam. Eles pediram para ser admitidos
à minha presença e exigiram ser por mim instruídos; assim, eu os instruí:
Ouvi: Eu começo com nada. Nada é o
mesmo que plenitude. No estado de infinito, plenitude é o mesmo que vazio. O
Nada é ao mesmo tempo vazio e pleno. Pode-se também afirmar alguma outra coisa
a respeito do nada, ou seja, que é branco ou negro, existente ou inexistente.
Aquilo que é infinito e eterno não possui qualidades porque contém todas as
qualidades.
O Nada ou plenitude é por nós chamado
de o PLEROMA. Nele, pensamento e existência cessam, porque o eterno é
desprovido de qualidades. Nele, não existe ninguém, porque se existisse alguém,
este então se diferenciaria do Pleroma e possuiria qualidades que o
distinguiriam do Pleroma.
No Pleroma não existe nada e existe
tudo: não é bom pensar sobre o Pleroma, pois fazê-lo significaria dissolução.
O MUNDO CRIADO não está no Pleroma,
mas em si mesmo. O Pleroma é o princípio e o fim do mundo criado. O Pleroma
penetra o mundo criado como a luz solar penetra toda a atmosfera. Embora o
Pleroma penetre-o por completo, o mundo criado, não participa dele, da mesma
forma que um corpo sumamente transparente não se torna, escuro ou colorido como
resultado da passagem da luz por ele. Nós mesmos, no entanto, somos o Pleroma e
assim sendo, o Pleroma está presente em nós. Mesmo no ponto mais minúsculo, o
Pleroma está presente sem limite algum, eterna e completamente, porque pequeno
e grande são qualidades estranhas ao Pleroma. Ele é o nada onipresente,
completo e infinito. Eis por que vos falo do mundo criado como uma porção do
Pleroma, mas unicamente em sentido alegórico; pois o Pleroma não se divide em
partes, por ser nada. Somos também o Pleroma como um todo; visto que num
aspecto figurativo o Pleroma é um ponto excessivamente pequeno, hipotético,
quase inexistente em nós, sendo igualmente o firmamento ilimitado do cosmo à
nossa volta. Por que então discorremos sobre o Pleroma, se Le é o todo e também
o nada?
Eu dele vos falo como ponto de
partida, e também para eliminar de vós a ilusão de que em algum lugar, dentro
ou fora, existe algo absolutamente sólido e definitivo. Tudo o que chamam de
definido e sólido não é mais do que relativo, porque somente o que está sujeito
a mudança apresenta-se definido e sólido.
O mundo criado está sujeito a mudar.
Trata-se da única coisa sólida e definitiva, uma vez que possui qualidades. Em
verdade, o próprio mundo criado nada mais é que uma qualidade.
Indagamos: como se originou a
criação? As criaturas de fato têm origem, mas não o mundo criado, porque este é
uma qualidade do Pleroma, da mesma forma que o incriado; a morte eterna também
representa uma qualidade do Pleroma. A criação é eterna e onipresente, e a
morte é eterna e onipresente. O Pleroma possui tudo: diferenciação e
indiferenciação.
Diferenciação é criação. O mundo
criado é de fato diferenciado. A diferenciação é a essência do mundo criado e,
por essa razão, o que é criado gera também mais diferenciação. Eis por que o
próprio homem é um divisor, porquanto sua essência é também diferenciação. Eis
por que ele distingue as qualidades do Pleroma, qualidades essas que não
existem. Essas divisões, o homem extrai de seu próprio ser. Eis por que o homem
discorre sobre as qualidades do Pleroma que são inexistentes.
Vós me dizeis: Que benefício existe
então em falar sobre o assunto, uma vez que se afirmou ser inútil pensar sobre
o Pleroma?
Eu vos digo essas coisas para
libertar-vos da ilusão de que é possível pensar sobre o Pleroma. Quando falamos
de divisões do pleroma, falamos da posição de nossas próprias divisões, falamos
de nosso próprio estado diferenciado; mas embora procedamos dessa forma, na
realidade nada dissemos sobre o Pleroma. No entanto, é necessário falarmos de
nossa própria diferenciação, pois isso nos permite discriminar suficientemente.
Nossa essência é a diferenciação. Eis por que devemos distinguir qualidades
individuais.
Dizeis: que mal não decorre do
discriminar, pois nesse caso transcendemos os limites de nosso próprio ser;
entendemo-nos além do mundo criado e mergulhamos nos estado indiferenciado,
outra qualidade do Pleroma. Submergimos no próprio Pleroma e deixamos de ser
seres criados. Assim, tornamo-nos sujeitos à dissolução e o nada.
Essa é a verdadeira morte do ser criado. Morremos na medida em que não
somos capazes de discriminar. Por essa razão, o impulso natural do ser criado
volta-se para a diferenciação e para a luta contra o antigo e pernicioso estado
de igualdade. A tendência natural chama-se Principium Individuationis
(princípio de Individualização). Esse princípio constitui de fato a essência de
todo ser criado. A partir de tudo isso, podeis prontamente reconhecer por que o
princípio indiferenciado e a falta de discriminação representam um grande
perigo para os seres criados. Eis por que devemos ser capazes de distinguir as
qualidades do Pleroma. Suas qualidades são os PARES DE OPOSTOS, tais como:
O eficaz e o ineficaz
Plenitude e vazio
O vivo e o morto
Diferença e igualdade
Luz e treva
Quente e frio
Energia e matéria
Tempo e espaço
Bem e mal
A beleza e a fealdade
O um e os muitos
E assim por diante.
Os pares de opostos são as qualidades
do Pleroma: também são na verdade inexistentes, porque se anulam mutuamente.
Como nós mesmos somos o Pleroma,
também possuímos essas qualidades presentes em nós. Visto que a essência do
nosso ser é a diferenciação, possuímos essas qualidades em nome e sob o sinal
da diferenciação, o que significa:
Primeiro: que em nós as qualidades
estão diferenciadas, separadas, umas das outras e, dessa forma, não se anulam
mutuamente; ao contrário, encontram-se em atividade. Eis por que somos vítimas
dos pares de opostos. Porque em nós o Pleroma divide-se em dois.
Segundo: as qualidades pertencem ao
Pleroma, e nós podemos e devemos partilhá-las somente em nome e sob o sinal da
diferenciação. Devemos nos separar dessas qualidades. No Pleroma, elas se
anulam mutuamente; em nós não. Porém, se soubermos percebermo-nos como seres à
parte dos pares de opostos, obteremos a salvação.
Quando lutamos pelo bom e pelo belo,
esquecemo-nos de nosso ser essencial, que é diferenciação, e nos tornamos
vítimas das qualidades do Pleroma, os pares de opostos. Lutamos para alcançar o
bom e o belo, mas ao mesmo tempo obtemos o mau e o feio, porque no Pleroma
estes são idênticos àqueles. Todavia, se permanecermos fiéis a natureza, que é
a diferenciação, então nos diferenciaremos do bom e do belo e, por conseguinte,
também nos diferenciaremos do mau e do feio. Só assim não imergimos no Pleroma,
ou seja, no nada e na dissolução.
Discordais, dizendo: Afirmastes que
diferenciação e igualdade constituem também qualidades do Pleroma. O que
ocorre, quando lutamos pela diferenciação? Não somos no caso fieis à nossa
natureza e, portanto, devemos também ficar eventualmente em estado de
igualdade, enquanto lutamos pela diferenciação?
O que não deveis esquecer jamais é
que o Pleroma não tem qualidades. Somos nós que criamos essas qualidades
através do intelecto. Quando lutamos pela diferenciação ou pela igualdade, ou
por outras qualidades, lutamos por pensamentos que fluem para nós a partir do
Pleroma, ou seja, pensamentos sobre as qualidades inexistentes do Pleroma.
Enquanto perseguis essas idéias, vós vos precipitais novamente no Pleroma,
chegando ao mesmo tempo à diferenciação e a igualdade. Não a vossa mente, mas o
vosso ser constitui a diferenciação. Eis por que não deveríeis lutar pela
diferenciação e pela discriminação como as conheceis, mas sim por vossa
verdadeira natureza. Se de fato assim o fizésseis, não teríeis necessidade de
saber coisa alguma sobre o Pleroma e suas qualidades e, ainda assim,
atingiríeis o vosso verdadeiro objetivo, devido à vossa natureza. No entanto,
com o raciocínio aliena-vos de vossa real natureza, devo ensinar-vos o conhecimento
para que possais manter vosso raciocínio sob controle."[GoogleBooks]
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